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Durante a CCXP 2024, o painel “As imagens da ficção interferem na nossa realidade ou é a nossa realidade que inspira a ficção?” reuniu especialistas para discutir como o entretenimento molda e reflete o mundo em que vivemos. Mediado por Matheus Sodré, diretor audiovisual e roteirista, o debate contou com as contribuições de Maria Clara Silveira (médica psiquiatra), Vanessa Mathias (pesquisadora de narrativas emergentes) e Tatt Rossi (artista multiplataforma).

A discussão girou em torno da interconexão entre ficção e realidade, abordando desde a evolução humana até o papel do entretenimento como ferramenta de transformação social e emocional.

O impacto da evolução humana nas narrativas ficcionais
Para a psiquiatra Maria Clara Silveira, o ser humano é moldado por sua capacidade de projetar o futuro a partir de experiências passadas. “Quando criamos ficção, estamos ensaiando para o futuro. A ficção não é só algo que criamos; é um produto cultural de uma população lidando com seus desafios e desenvolvendo caminhos para o futuro”, afirmou.

Ela também destacou como a evolução humana influenciou nossa habilidade de contar histórias. “Somos mamíferos sociais com linguagem, o que nos permite tirar nossas ideias do tempo presente e trabalhá-las coletivamente. Isso ampliou nosso horizonte de planejamento e permitiu a criação de narrativas mais complexas.”

A crise da imaginação no mundo contemporâneo
Vanessa Mathias chamou atenção para a predominância de narrativas distópicas na ficção contemporânea e a dificuldade de imaginar futuros utópicos. “Quando falamos em visões de futuro, geralmente pensamos em cenários apocalípticos como Mad Max ou Black Mirror. Mas é raro encontrarmos histórias que retratem um futuro regenerado, onde as desigualdades foram resolvidas. Isso reflete uma crise de imaginação coletiva”, explicou.

Ela também sugeriu que o entretenimento poderia ser usado para reimaginar futuros mais positivos. “Quem não visualiza a casa pronta não aguenta a obra. Precisamos de narrativas que ajudem a construir visões de um futuro que queremos viver.”

A reconexão com o real
Tatt Rossi enfatizou a necessidade de integrar ficção e realidade de forma mais fluida. “A nossa natureza humana é misturar realidade e ficção de maneira saudável. No entanto, passamos a reservar espaços específicos para a ficção, como filmes ou espetáculos, enquanto vivemos a ‘vida real’ de forma automática e desconectada. Precisamos reaprender a viver de maneira mais integrada e aberta”, comentou.

Ela também destacou o papel do entretenimento como catalisador de mudanças. “A arte e a indústria criativa têm o papel de esticar os contornos do real e criar novos sentidos. Estamos em um momento em que muitas pessoas verbalizam: ‘Minha vida não faz mais sentido’. Precisamos ousar imaginar novos caminhos, mesmo que eles não sejam imediatamente lucrativos ou conectem com grandes audiências.”

O papel da tecnologia nas relações humanas
A dependência das telas e sua influência na saúde mental foi um ponto central na fala de Maria Clara Silveira. “Enquanto estamos diante de uma tela, muitas vezes perdemos a conexão com o momento presente e com o nosso corpo. Para superar desafios como a crise de saúde mental, precisamos superar a ideia de mente separada do corpo e desenvolver uma subjetividade mais integrada”, afirmou.

O painel explorou as tensões entre o controle e a imprevisibilidade na vida humana, destacando como o entretenimento pode servir de espelho e ferramenta para imaginar novos futuros.