No último sábado (13) aconteceu o Dia do Rock, uma data dedicada a celebrar esse gênero musical que atravessa gerações por meio da sua conexão com os sentimentos dos jovens. Apesar da sua forte associação com a rebeldia e a fuga das normas sociais, os shows de rock precisam seguir certas considerações e etapas para que os criadores das musicas sejam devidamente respeitados e remunerados pelos seus trabalhos.
Nesta matéria, uma sequência direta do especial “Dia do Rock”, em que falamos sobre o festival Street Rock e sua nova série documental, o ADNews entrou em contato com Mary Barbosa, responsável pelo licenciamento de todas as músicas tocadas no festival, e Mary Nunez, VP SYNC Latin da Warner Chappell Music, para trazer informações, debates e propor questionamentos sobre o tema. Vamos nessa!
O licenciamento
Esse termo, muito conhecido no meio jurídico por estar intimamente ligado aos direitos autorais de obras intelectuais, é apenas o ponto de partida da nossa jornada que chegará até o tema da “valorização (ou melhor dizendo, desvalorização) do rock brasileiro”.
Para a produção de grandes eventos, como Street Rock, que lançou bandas como NX Zero e Dead Fish, esse processo envolve a obtenção de licença de execução pública, permitindo que determinada música seja tocada ao vivo. Para isso, o organizador do evento entra em contato com o Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (ECAD) e as associações de música do Brasil.
A partir disso, existem vários fatores que precisam ser analisados: o profissional responsável pelo licenciamento deve entender a demanda do cliente, como ele quer utilizar determinada música, se pretende regravar ou alterar a letra, entre outras variáveis. No caso do Street Rock, palco de diversos artistas independentes, acontece um encontro entre as vontades ambiciosas da produção do evento e o trabalho de consultoria da especialista em Licenciamento em Direito Autoral, Mary Barbosa.
“Lidar com as bandas independentes é ótimo, eu adoro. Eles não têm o suporte de ninguém, mas isso não os impede de investir dinheiro, arriscar e sempre tentar ir além”, conta a especialista, empolgada em poder estar próxima dos músicos indie.
Mesmo em contato com músicas, bandas e todo o universo artístico que é de encantar os ouvidos, o trabalho dos especialistas em licenciamento não é isento de desafios.
“Esse é um trabalho investigativo e artesanal. Por exemplo, uma obra de uma banda completamente independente e com poucas visualizações pode chegar a ter seis, sete ou mais compositores. Então foi utilizado um fonograma do videoclipe deles onde alguém só cadastrou quatro produtores musicais. Como todas as partes precisam estar de acordo com aquela utilização para a fixação da obra no audiovisual, isso se torna uma tarefa extremamente desafiadora”, revela Mary Barbosa.
Apesar dos obstáculos e da grande demanda no setor, Mary vê seu trabalho na Go Sugar Music, sua empresa de consultoria em licenciamento, como um fascínio. Para ela, o audiovisual é uma forma de fazer o público conhecer novos sons de forma orgânica.
“O ser humano tem um costume, muitas vezes inconsciente, de escutar uma música ou trilha sonora e associá-la diretamente a um filme ou outro produto. Isso faz com que as pessoas conheçam novos gêneros musicais”, compartilha a especialista.
Ainda no meio audiovisual, mas agora voltado para campanhas publicitárias, Mary Nunez, VP SYNC Latin na Warner Chappell Music, explica que no trabalho de licenciamento musical, as grandes marcas e agências enviam um roteiro ou storyboard da campanha, juntamente com uma obra de referência. A partir disso, cabe a ela e sua equipe encontrar uma música que se encaixe perfeitamente com o tom que a mensagem da marca deseja transmitir. Segundo a executiva, o Rock também tem sido um grande chamariz na publicidade.
“Na América Latina, é comum que nos peçam músicas dos gêneros Rock, Pop e Alternativo. Marcas de telecomunicações e automotivas geralmente preferem músicas de rock. Atualmente, está muito em alta sincronizar músicas urbanas latinas, não necessariamente reggaeton, para campanhas direcionadas a um público jovem”, revela Mary Nunez.
Ela comenta que o critério da marca também depende muito dos orçamentos e se eles querem usar o trabalho original da banda de rock.
“Muitos autores preferem que usem a obra original e não um cover. Depende muito da música, dos orçamentos e flexibilidade do autor”, finaliza a VP SYNC Latin da Warner Chappell Music.
A música no audiovisual
A proposta do Street Rock de impulsionar músicas independentes é extremamente relevante quando se trata da valorização das produções nacionais. Levando essa temática para o mercado publicitário, que está utilizando cada vez mais o Rock, surge um questionamento: por que as grandes marcas continuam a utilizar as mesmas músicas internacionais em suas campanhas?
Em um país com um repertório musical tão vasto e plural quanto o Brasil, que conta com nomes como Rita Lee, Cazuza e Raul Seixas, por que diversas campanhas insistem em utilizar ‘We Will Rock You’, ‘Don’t Stop Me Now’ ou ‘Bohemian Rhapsody’ da banda Queen?
Apesar de admirar essa banda e seus grandes sucessos, a constante utilização desses hits internacionais gera dois problemas: a falta de reconhecimento de uma marca por meio da música e a desvalorização do acervo musical brasileiro.
Pode ser que o intuito das grandes empresas ao utilizarem músicas internacionais seja atingir o máximo de pessoas possível. Não é à toa que, ao mencionar a canção ‘Glad You Came’ do grupo The Wanted, você provavelmente já lembrou de uma campanha, lançada há dez anos, de uma famosa rede de restaurantes fast food. A música, popular entre os jovens da época, se tornou um hit entre pessoas de todas as idades, tornando-se quase impossível desassociar o som do restaurante. Outro exemplo recente, e nacional, se trata da campanha de KitKat para o Rock in Rio 2022 e a primeira edição do The Town no ano passado, que criou uma música em parceria com o cantor Jão para promover o Rock e captar a vontade dos jovens de aproveitar um festival tão enérgico após o período de reclusão devido à pandemia de Covid19.
Da mesma forma, o que impede outras grandes marcas de realizarem esse movimento com as bandas emergentes do Brasil para alavancar suas carreiras e, consequentemente, ganhar um reconhecimento imediato sempre que alguém ouvir uma música de determinado grupo? Criando uma identidade facilmente reconhecível por meio da música, que se difunde com mais facilidade pelos meios de comunicação, ou seja, uma verdadeira relação “ganha-ganha”.
“Por que o mercado publicitário brasileiro tem esse receio de utilizar músicas nacionais? Temos gênios da música que, por falta de conhecimento, não são ouvidos. Isso é uma oportunidade de contar uma história com uma narrativa musical diferente”, questiona Mary Barbosa.
Em contrapartida, quanto mais as marcas utilizam as mesmas músicas populares de maneira exaustiva como uma forma de “apostar no seguro”, menos memoráveis se tornam suas campanhas. Proponho um desafio: cite qual foi a marca e o produto anunciado na última campanha que utilizou um hit da banda Queen. Se você não se lembra, fique tranquilo, pois a falta de memória quanto a isso é mais comum do que se imagina.
A partir do momento em que muitas empresas apostam no mesmo conteúdo, sua capacidade de impactar o público de forma orgânica, única e memorável entra em declínio, se tornando apenas “mais um na prateleira”. O fator “originalidade” afeta diretamente na percepção humana na hora de procurar ou consumir um conteúdo, e algo que não traz nada de novo pode acabar passando despercebido (o que está longe de ser o desejo de qualquer marca).
Sendo assim, o Rock brasileiro, com sua essência de autenticidade e conexão genuína com seus ouvintes, pode oferecer uma gama de conteúdos para o mercado publicitário criar campanhas que se distinguem das demais.
Investir em um espaço que está só aguardando para ser descoberto e valorizado, algo que o Street Rock tem feito há mais de 20 anos e a especialista em licenciamento promove em sua vida profissional, pode revitalizar a publicidade que, atualmente, entra em um ciclo vicioso de campanhas ordinárias que não exploram esse ouro chamado “música nacional”.
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