Por Simone Cyrineu, CEO da thanks for sharing
Aconteceu de novo. Mais uma vez. Conheci outra pessoa que recentemente deixou o ambiente das agências de publicidade e seus clientes. O que me intriga sobre esses casos cada vez mais comum é que – repare – quando a pessoa comenta que resolveu mudar de área, percebe-se ali um misto de sentimentos aparentemente incompatíveis: o fato de deixar de fazer algo que gosta, algo incrível e de certo impacto com o desejo de viver uma vida mais tranquila, de furar menos suas programações pessoais e estabelecer uma rotina saudável e próspera. É quase que um sentimento de pesar ao contar essa saída, aquele fim de relacionamento que poderia ser incrível, mas a outra pessoa não ajuda.
Em algumas reuniões comerciais das quais participo é nítido nos poucos comentários iniciais qual o perfil do cliente, se ele de fato está procurando alguém para somar e ser uma extensão das suas entregas planejadas ou se está procurando alguém que vai resolver os seus desarranjos, falta de controle e um grau elevadíssimo da dificuldade em dizer “não”.
E acredito que essa é uma reflexão cada vez mais necessária, ainda que vez ou outra, ao terminar uma dessas reuniões, eu escute em tom de brincadeira com aquele fundinho de verdade, “para onde mando meu currículo?”
Mas onde começa isso tudo? A quem recai a culpa de prazos insalubres do mercado?
Dos fornecedores terceiros? Que muitas vezes ficam na linha tênue da sobrevivência de um fluxo de caixa sem reservas e por isso precisa aceitar qualquer oferta – justificativa possivelmente potencializada pelos anos pandêmicos que estamos vivendo.
Das empresas clientes? Que crescem sem planejamento, e precisam acompanhar o que está sendo feito em seu mercado, mas que só se descobre já com a ação do concorrente no ar, então é preciso correr contra o tempo.
Pode ser que comece na falta de conhecimento e interesse, em entender como funciona um pouco mais detalhadamente todo o processo para aquilo que você quer ou precisa para colocar seu projeto no ar.
No mercado criativo existe um jargão para isso: “fritar pastel”. Eu não tenho fontes da origem dessa expressão amplamente utilizada por todos que vivem nesse looping corporativo não saudável. Mas o que sei é que quem repete isso talvez esteja só de fato repetindo, e não se atentando ao que realmente importa: o processo e metodologia de trabalho.
No caso do nosso querido pastel, o que você vê ali na feira na tua hora do almoço e que recebe quentinho e crocante em 3 minutos – repito três minutos – nada mais é do que o resultado de um longo processo, que eu que não sou especialista de feiras tampouco de pastel posso imaginar.
Imaginar não! Juntar os fatos a partir da minha própria experiência e observação desse contexto. Vamos lá, você já deve ter visto algo do tipo: ao pedir seu sabor de preferência sempre há ali um gaveteiro de metal onde já estão guardados e organizados por sabor todos os pastéis que serão vendidos naquele dia. Isso significa também que alguém fez esse pré-preparo antes da feira, fez a massa, fez e colocou o recheio, fechou o pastel e fez a marquinha especial de cada um para os sabores não se misturarem na fritadeira.
Também não sei se você já morou em rua que tem feira ou ficou com seu carro preso porque estacionou na noite anterior e a noite se estendeu e amanheceu com a feira ali, ocupando a rua toda e seu carro bloqueado. O ponto aqui é que normalmente, aquela barraca ali, simples e aconchegante que acolhe teu almoço da firma começou a ser montada e organizada por volta das 4h da manhã – também conhecido como madrugada.
Você entendeu o exemplo, não vou me alongar dizendo que também tem a etapa de colocar todas as coisas e ferragens no caminhão, limpar, pois, provavelmente estavam em outra feira de outro bairro no dia anterior, aquecer o óleo e por assim vai.
Existe processo e método nas feiras, e que funciona muito bem por sinal. Só não tem a glamourização para chamar de workflow, jornada ou experiência do cliente ou algo do tipo.
Voltamos ao ponto: nem fritar pastel é algo para ontem. Mas, você já tinha parado para pensar quanta coisa tem envolvida em um simples pastel?
Porque então, quando falamos de projetos corporativos, que possuem complexidade infinitamente maior, existe uma cultura de prazo para ontem? Onde está a ponta desse fio emaranhado para começarmos a puxar e desatar os nós?
Nos fornecedores que são envolvidos pela oportunidade de entrar em determinado cliente e exibir seus logos como chancela de qualidade e entrega? Ou que são motivados pelo receio de “perder o cliente”?
Nas empresas, clientes que vivem culturas hierárquicas extremamente verticais e gargalos nas devidas aprovações? Falta de foco e excesso de micro gerenciamento? Ou será ainda que começa no medo?
No medo das pessoas, de nós, gente como a gente, que trabalha de um lado e do outro em contestar e dizer “não vai dar”. Medo de perder o cliente, medo de perder o emprego, medo de não atender as expectativas de quem está como solicitante, medo do cliente ir para o concorrente, medo do seu time achar que você está desengajado, medo de ser rotulada como não profissional.
Qual o seu medo? Aquele que faz você corroborar com situações de trabalho com as quais não concorda?
É por isso que eu insisto tanto na cultura da transparência. Porque quanto mais sincero forem as suas relações, contratos e condições de trabalho, melhores serão as entregas e mais felizes e engajadas estarão as pessoas envolvidas.
Fácil falar, difícil fazer. Por isso essa conversa se faz tão necessária.
Porque não existe absolutamente NADA para ontem! Ontem sequer existe mais! E olhe ao seu redor: nada, absolutamente nada que está a sua vista ou teu alcance foi feito sem prazo, sem um processo, método, sem todo um sistema co-existente.
Esse não é um problema só do fornecedor ou só da empresa cliente. É um co-problema que precisa ser resolvido em conjunto. Principalmente se o mercado criativo quer criar condições para manter e atrair os bons profissionais na área.
Educando os envolvidos de como funciona o processo e etapas para que a demanda seja atendida e sabendo colocar os limites para que o processo educativo seja absorvido e respeitado. Mais do que isso: explicando os tempos e movimentos necessários para que cada etapa aconteça com a qualidade esperada.
Quem ganha com tudo isso? Todos. Clientes ganham trabalhos melhores, poupam recursos de tempo de gestão e investimento financeiro pois possivelmente vão reduzir refações e ajustes oriundos de algo manipulado em tempo aquém do necessário. Fornecedores ganham produtividade ao reduzir refações e liberar espaço para novos projetos, além das dignas horas de sono sem virar noites e noites trabalhando.
Todos ganham times mais engajados, produtivos e felizes. Pois a pressão da urgência e imprevisibilidade é substituída por planejamento e respeito aos processos internos e externos dos parceiros fornecedores.
Ganhamos também trabalhos melhores, o que vai contribuir tanto para quem quer escalar carreira no contexto corporativo como para quem quer fazer cases, portfólio e concorrer a prêmios.
E ainda um bônus: você se torna uma pessoa interessante ao se interessar pelo processo do outro e como as coisas acontecem. Conhecimento e informação é algo poderoso. É tempo de rever as relações comerciais, entrarmos num círculo virtuoso sem medo.
No seu próximo briefing, pergunte: o que você precisa para que esse resultado que eu quero seja possível? A resposta pode ser técnica, hardware, software, gente, mas muitas vezes é bem mais simples: tempo.