O gerador de texto Feminipsum foi projetado por mulheres, para mulheres – mas a mensagem real é dirigida aos homens.
“Para acabar com o sexismo, nenhum caractere vai para o lixo”
Lorem ipsum dolor sit amet. Essa é a primeira cláusula de um texto de espaço reservado que pode ser encontrado em qualquer lugar que você olhe, de modelos a sites, marketing e texto de anúncio. O problema é que, a menos que você fale latim, as palavras são sem sentido. E se eles pudessem ser bem usados em vez disso?
“Para acabar com o sexismo, nenhum caractere vai para o lixo”, é o lema de um novo gerador de texto feminista projetado para ajudar a desmantelar a discriminação de gênero na indústria da publicidade e além. Intitulado Feminipsum (entendeu?), o site permite que você gere até cinco parágrafos que você pode copiar e colar em apresentações de slides em andamento, sites, cópias de anúncios, layouts de receitas – em qualquer lugar que precise de um bloco de aparência natural de texto enquanto o layout está sendo projetado.
Feminipsum foi criada pela diretora de arte Luiza Lopes e pela redatora de criação Vitória Ferrari, duas amigas que se conheceram em uma agência de publicidade anos atrás e rapidamente se cansaram de presenciar piadas sexistas na indústria publicitária. Em virtude de sua função como um espaço reservado, o texto pode ter uma vida útil finita, mas em grandes equipes, ele pode ser lido por dezenas de pessoas antes de encontrar o botão de exclusão – o suficiente para iniciar uma conversa, uma palavra por vez.
Juntas, Lopes e Ferrari trabalharam em agências de publicidade, como Wunderman Thompson, NBS e equipe de marketing da Unilever. Hoje, as duas estão baseadas em São Paulo e trabalham na Africa DDB, a maior agência de publicidade do Brasil. “Quando estávamos começando, o sexismo falava mais alto nas agências de publicidade”, diz Ferrari. “Quando percebemos que o que vivíamos era sexista, decidimos usar nosso poder como criativos para fazer algo.”
A primeira interação do site nasceu em 2017, com texto em português. Logo, a dupla percebeu que o site estava sendo acessado de países tão distantes como Emirados Árabes Unidos, Vietnã, Rússia e Estados Unidos. Em seu pico, 50.000 visitantes passavam pela plataforma todos os meses. Então, em setembro deste ano, eles construíram uma versão em inglês. “Este é um problema global”, diz Ferrari. “Imaginamos que nossa mensagem chegaria a diferentes mercados também.”
“Lorem Ipsum é como comportamentos machistas em departamentos de criação. Se você não prestar atenção, só vai reproduzindo por aí”
Se você já assistiu ao seriado de TV Mad Men, não precisa de uma introdução ao sexismo na publicidade. E embora o show tenha sido ambientado na década de 1960, muitos anúncios hoje permanecem presos aos mesmos estereótipos de meados do século, alimentados em parte pela escassez de diversidade de gênero na indústria.
O sexismo, no entanto, vai muito além do mundo da publicidade. De acordo com um estudo de 2017 do Pew Research Center, 42% das 5.000 mulheres adultas pesquisadas nos EUA disseram que enfrentaram discriminação no trabalho por causa de seu gênero. Essas mulheres trabalharam nas áreas de ciência, tecnologia, engenharia e matemática.
Feminipsum foi desenhada por mulheres, para mulheres, mas a verdadeira mensagem é dirigida aos homens. Na verdade, Lopes e Ferrari sabiam por análises que 52% dos visitantes (no site português) eram do sexo masculino. Ao redigir o texto – em português e inglês – elas queriam encontrar um equilíbrio entre o sério e o sarcástico, sem nunca cair em apologética ou mensagens de ódio. “O humor é sempre mais fácil quando se fala de assuntos difíceis”, diz Ferrari, que escreveu o texto do espaço reservado, que ela apropriadamente chama de “manifesto”.
“Lorem Ipsum é como os comportamentos sexistas nos departamentos de criação”, diz o primeiro parágrafo do manifesto. “Você não presta atenção, você apenas brinca. Mas também, por que levar a sério um poema em linguagem morta ou mulheres? Afinal, eles são apenas um pequeno número nas agências.”
“Respeito e feminismo não são apenas objetos de estudo de casos”
A versão em inglês de Feminipsum está no ar há apenas um mês, então é muito cedo para estatísticas. Mas Ferrari diz que ela e Lopes receberam mensagens de uma variedade de usuários, incluindo um diretor de arte da Dove que usou Feminipsum enquanto trabalhava nos anúncios sociais da marca. (Ferrari até notou que o site em português foi acessado por alguém do governo brasileiro).
Com uma versão mais acessível internacionalmente, a dupla espera iniciar uma conversa entre diretores de arte, redatores e profissionais de criação de forma mais ampla. Como diz Ferrari: “Talvez as mulheres leiam isso e descubram que não estão sozinhas”.
Texto traduzido de Fast Company.
