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Comunicação é algo vital para os seres vivos, não importam o seu degrau (presumido) de inteligência. Desde que a Terra se tornou mais do que um mar de lava e chuvas ácidas, num processo que culminou com a criação de condições propícias para que organismos pudessem ser criados e mantidos vivos, os micro-organismos que posteriormente deram origem a nossa vasta fauna e flora já se “falavam” entre si.

Os sinais distribuídos e passados entre estes seres se tornaram em indicações de fertilidade entre as plantas, e na vocalização de animais para denotar perigo, raiva e afeto. E há centenas de milhares de anos, surgem finalmente os seres humanos e suas várias formas de se comunicar através de fala, escrita, e também cultura.

A diversidade dos seres humanos que acabam por se espalhar planeta afora, chegando até aos cantos mais remotos do nosso querido globo, cria culturas e formas de comunicação muito diferentes uma das outras. Mas estas tem sido cada vez mais compreendidas, e entendidas, por estes povos diversos, graças ao fenômeno de interligação informativa (e também cultural) que a internet gera – mesmo que as diferenças sociais e culturais ainda pesem quando se trata de comunicação por parte de instituições públicas, ou agentes privados.

Algumas destas culturas acabam sendo mais influentes que outras no processo de comunicação inter-societal, a nível de ganhar para si a origem de coisas que o país não criou. Em parte, esse é um processo de reconhecimento da influência cultural dessa nação em específico. Mas existe aí também um degrau propagandístico, uma vez que “Belgian fries” não trazem o mesmo impacto das famosas “French fries” – que são as nossas batatas fritas – no mundo anglófono que sempre olhou para a França como um exemplo a ser seguido em termos culturais, econômicos e até mesmo políticos.

 

Franceses que não são franceses de fato

A França é quiçá a campeã mundial em produtos que levam o sufixo “francês” ou “francesa” em nome, mas cuja origem não é de fato a grande nação europeia. A lista é vasta, e inclui muitos produtos que consumimos no nosso dia a dia.

As cafeteiras de filtro de marcas como Phillips e Arno ainda são as favoritas de boa parte das casas brasileiras, assim como produtos associados como os filtros de papel da Melita, e o já tradicional café em pó Pilão. Ela, entretanto, tem perdido espaço tanto para as máquinas de café que usam as cápsulas Nescafé, quanto para a prensa francesa que presumidamente mantém o gosto do café de forma muito mais pura do que suas contrapartes. Entretanto, a prensa francesa talvez não seja de fato da França uma vez que a primeira patente do produto foi registrada na Itália durante os anos 1920.

Às vezes o denomino “francês” é anexado ao produto como uma espécie de homenagem – e também como forma de ganhar mais prestígio. A banca francesa por exemplo, é um jogo de origem portuguesa, onde jogadores apostam no resultado de três dados jogados em uma mesa de formato de semicírculo. Esse jogo que saiu de Portugal para ganhar o resto dos cassinos físicos mundo afora, e que hoje em dia pode ser encontrada em espaços virtuais, envolve bastante matemática para levar em consideração as chances de os resultados favoráveis saírem em mesa. E a “francesa” no nome da banca é explicada por uma de suas maiores inspirações: a roleta europeia, que se acredita ter surgido na França durante o século XVIII.

Os “film noir” foram eternizados por meio de produções hollywoodianas entre as décadas de 1940 e 1950, em peças cinematográficas com iluminação fraca, uso do contraste entre preto, branco e escalas de cinza, e muitas das vezes tramas envolvendo a resolução de crimes. Ainda que filmes como Fuga do Passado, ou o Estranho (que se encontra em domínio público) tenham de fato inspiração no realismo poético e no Art Deco que surgem na França logo após o fim da Primeira Guerra Mundial, o “pai” destas obras é o expressionismo alemão dos anos 1920.

Nem a comida escapa! Além das já mencionadas batatas fritas, cuja disputa de origem tem pendido cada vez mais para o lado belga do que para o francês, o famoso croissant tem origem na Áustria. E o pão francês tem esse nome tão-somente por ter surgido durante a Belle époque do início do século XX, quando os líderes de países em desenvolvimento como o Brasil miravam a França e suas instituições como uma inspiração e também um objetivo a ser alcançado. Tanto que fora do território brasileiro, o pão francês é geralmente conhecido como pão brasileiro.

 

Nomes que ficam

Podem-se encontrar exemplo como os de produtos franceses que não são realmente da França entre várias outras nações. Itália, Alemanha e Estados Unidos são outros países cuja grande influência cultural inevitavelmente levou a criação de produtos inspirados nestas nações, mas cuja origem não é necessariamente o país em si.

No mais, esse é um processo que representa de fato a força cultural que tais países exercem sobre nações que almejam alcançar lugares mais altos como o Brasil. Assim como um processo de comunicação e de marketing que acaba gerando uma associação inevitavelmente entre a presumida origem geográfica de um determinado produto, e a sua qualidade por conta de vir deste país.

Esse processo pode não ser mais tão fácil de ser feito dentro das agências de marketing, uma vez que a internet torna o acesso a informações que esclarecem esse tipo de “confusão” muito mais fácil do que em tempos de outrora. Mas perante a escolha de anunciar um produto como “prensa francesa” e “prensa de fato italiana, já que sua primeira patente é de um inventor no país da Bota”, é melhor escolher a primeira opção.

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