Opinião: Thiago Custódio, Sócio & Head of Business Coala Music
Para os millennials, o jingle ainda é uma lembrança viva - quem cresceu nos anos 90 lembra na hora do “Pipoca e Guaraná”. E pra quem veio antes deles, basta ouvir um “o tempo passa, o tempo voa…” pra ativar uma memória afetiva imediata. Por muito tempo, quando se falava em identidade sonora nas campanhas, a conversa girava em torno do jingle - e funcionava muito bem.
Hoje o universo é bem mais complexo, otimizado e fragmentado, especialmente com a chegada dos streams e a forte mudança no jeito que consumimos mídia. O jingle, infelizmente ou não, perdeu o posto de principal identidade sonora de uma grande campanha - ele, quase, nem existe mais.
Vemos um movimento cada vez mais focado em se adaptar aos formatos e hábitos de cada plataforma. O comportamento nas redes sociais é cada vez mais acelerado - o consumo de conteúdo é rápido, fragmentado e muitas vezes sem som. Hoje, é possível construir awareness em silêncio, ou até usar um emoji como parte da construção de marca. Essas estratégias não são protagonistas, mas definitivamente fazem parte do jogo.
Mas, curiosamente, a música seguiu tendo um papel fundamental - não mais como trilha de fundo, mas como peça-chave na construção de uma identidade de marca legítima. E não se trata apenas de sonoridade ou refrões grudentos, mas de contexto, intenção, do ambiente em que essa música é ouvida e, principalmente, de quem está ouvindo. É sobre estar presente na rotina das pessoas - no fone, no carro, no caminho pro trabalho - e não só na frente da TV, durante o intervalo comercial.
Existe um ponto crucial aqui: a música não é só mídia, ela é parte fundamental de um território cultural que as marcas anseiam por acessar e que se não for pra ser de verdade, ela vira puro ruído - mais uma no meio da multidão. Mas se ela entra com verdade e constância, pode, sim, virar parte do cenário – ou melhor, da nossa playlist.
Um exemplo: campanha da Volkswagen (2023) que reuniu Maria Rita e Elis Regina, mãe e filha, num dueto recriado com inteligência artificial. O clássico "Como Nossos Pais", sucesso de 1976 na voz de Elis, virou trilha de um filme publicitário emocionante, que atravessou gerações e tocou o público com força. Um uso legítimo da música como elo entre memória, tecnologia, marca e emoção. E funcionou.
O universo sertanejo é um ótimo exemplo de conexão genuína entre marcas, música e artistas. Em muitos casos, grandes marcas de cerveja são citadas diretamente nos próprios hits, como “Alô Ambev”, da dupla Zé Neto & Cristiano (2020). A faixa ultrapassa 70 milhões de views no clipe oficial no YouTube e já soma mais de 244 milhões de streams no Spotify, sem contar todas as vezes em que é tocada espontaneamente nas rádios ou em churrascos de família. É o tipo de exposição orgânica que se torna o ponto alto de uma grande campanha publicitária - quando a marca deixa de ser coadjuvante e passa a fazer parte da cultura.
A Eisenbahn seguiu um outro caminho: em parceria com o Coala Music, lançou Onze (2020) um disco inteiro de inéditas, gravado por artistas contemporâneos, em homenagem aos 110 anos de Adoniran Barbosa. Em vez de uma peça publicitária, entregou um projeto cultural com verdade, curadoria e consistência – que virou vinil, clipe, show e presença nas plataformas de streaming. Um tributo que celebrou o passado e o presente.
Vale destacar também os casos em que a marca entra na música de forma completamente espontânea - quando o produto já faz parte da vida do artista e da cultura que ele representa. Um ótimo exemplo é a música 'De Kenner', do FBC, com expressivos 16 Milhões de streams no Spotify. Apesar de não ser uma parceria oficial com a marca, o nome virou parte do refrão de um grande hit, mostrando como certas referências do cotidiano podem se transformar, naturalmente, em elementos de forte conexão com o público.
Esses são exemplos claros de quando a marca entende que música é território – e não apenas um recurso melódico. E que quando ela entra com verdade, pode virar parte da nossa história e trilha sonora das nossas vidas.
No fim das contas, é sobre fazer sentido, e trabalhar com estratégia e consistência. Quando a marca entra de verdade, escuta e respeita o território, a música deixa de ser só som e vira pura conexão.