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Geração dos Millennials parece ter perdido a capacidade de sonhar e se sente frustrada profissionalmente. Artigo assinado por Marcos Dimenstein

Perguntei a opinião de um morador do Capão Redondo: o que, na visão dele, impedia as realizações pessoais de moradores de comunidades. Ele respondeu com poder de síntese invejável: “Porque roubaram nosso direito de sonhar”. Hoje, este é um problema que transcende as periferias, sendo um retrato generalizado da insegurança com o futuro.

O sentimento de frustração na geração dos Millennials, em especial da classe média, é comum, já que cresceram em tempos de prosperidade e otimismo, mas se veem diante de crises constantes e falta de perspectivas. Caíram no conto da recompensa atrelada ao esforço, e hoje empilham-se histórias de gente que não tem a oportunidade desejada, justamente por seu excesso de qualificação.

São pessoas com faculdade, pós-graduação, MBA, descobrindo na marra que, no meio da pirâmide corporativa, há menos emprego e a concorrência é mais feroz. Sem muita alternativa, são forçados a aceitar cargos de analistas ou de coordenação com remunerações muito menos sedutoras que seus títulos no LinkedIn.

Já os formandos de 2023 fazem parte da geração Z. A incerteza está em seu DNA e se manifesta na forma de ansiedade epidêmica. Para eles, a escolha da profissão aponta para uma mudança de paradigmas. Decisões guiadas por afinidade ganham contornos mais pragmáticos e funcionais, na medida em que as escolhas de carreira seguem as oportunidades ascendentes no mercado de trabalho. O diploma universitário vem perdendo seu fetiche, incapaz de manter vivas suas promessas de prosperidade. Prova disso é o avanço da formação técnica, que cresceu quase 20% de 2013 a 2019, de acordo com dados do governo. São mais rápidas, mais baratas e garantem uma especialização com boas perspectivas de empregabilidade.

Assistimos as discussões sobre o futuro do trabalho com misto de fascínio e preocupação. Novas tecnologias de inteligência artificial, como ChatGPT, trazem o encanto de um presente digno de futuro, ao mesmo tempo em que ficamos com medo de um inimigo que não compreendemos muito bem. Não tenho repertório técnico para analisar o risco da dominação do homem pela máquina, caberá a mim torcer e rezar pelo bom senso de Elon. Mas, temos problemas reais para lidar agora, com impacto na vida de cada um de nós.

Relatório divulgado pelo Fórum Econômico Mundial prevê que, até 2025, a automação e a divisão do trabalho entre humanos e máquinas fecharão 85 milhões de empregos no mundo. Funções em áreas como processamento de dados, contabilidade e suporte administrativo são as que mais devem perder empregos, à medida que a digitalização no local de trabalho aumenta. Por outro lado, o estudo diz que 97 milhões de empregos devem surgir nas áreas de cuidados com saúde, tecnologias da quarta revolução industrial, dados, inteligência artificial e computação em nuvem. 

Sou um tanto cético quanto ao otimismo desses números, considerando que esse cenário se soma ao processo sem retorno da precarização dos empregos como um todo. Mas, talvez essa não seja a discussão central. Se a tendência do mercado é a máquina substituir trabalhos operacionais, restando aos humanos disciplinas mais analíticas, criativas, interpretativas, é certo afirmar que é um processo que irá afetar os mais pobres.

Mesmo que as novas tecnologias possam contribuir com uma nova geração de empregos, veremos o abismo das desigualdades se expandir ainda mais, e isso é uma ameaça ao bem-estar social em todo mundo. Como iremos combater a miséria é um problema que países ricos, seus bilionários e grandes corporações precisam liderar com o mesmo entusiasmo que assumem na agenda climática. Não há solução simples, muito menos um plano global efetivo.

Somos feitos de raízes e asas. As asas são nossos sonhos que nos fazem ver além e nos motivam a realizar. As raízes nos dão firmeza para entender o que precisa ser feito no dia a dia para chegar lá. Esse é um sistema que cria um equilíbrio fundamental na descoberta dos nossos potenciais e lugar no mundo.

Para além da discussão divina, acredito que o propósito de cada um é encontrar o seu. Sem isso, somos como um ator sem palco. Temo o que será de nós, quando tivermos que voar sem asas.

Marcos Dimenstein é CEO do Catraca Livre e idealizador da C-Hub, empresa especializada em comunicação de impacto.

* Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Adnews.

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