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Além da invasão territorial, os garimpeiros são os principais intermediadores e condutores de Covid-19 para os povos indígenas. Em defesa ao povo Yanomami, a agência Wieden+Kennedy SP realizou uma campanha de conscientização e pressiona governantes como Rodrigo Maia, presidente da Câmara dos Deputados, para a retirada imediata dos garimpeiros do local. A agência ainda promove uma petição on-line, que conta com a ajuda do público e espera mais de 350 mil assinaturas, para expulsar cerca de 20 mil garimpeiros, e acabar com a disseminação do vírus no território. 

A forte campanha chamada de ‘2020’ mostra algumas simulações de manchetes que seremos obrigados a ver caso o governo não faça nada e os invasores não saiam da Terra Indígena Yanomami. Conversamos com a Mariana Borga e Fabiano Higashi, diretores de criação da campanha, para saber como foi realizada todo o processo de planejamento, produção e design da campanha tão impactante que retrata o sofrimento do povo com o vírus e com a invasão e exploração do garimpo. Confira a excelente entrevista:


ADNEWS – Com todas as medidas preventivas à disseminação do vírus, como foi produzido este vídeo sobre a Terra Indígena Yanomami?

Fabiano Higashi: Desde o começo estabelecemos que este filme seria montado a partir de materiais já existentes, pois as circunstâncias de quarentena não nos permitiam abrir câmera. O ISA disponibilizou um acervo de mais de 40 anos de fotos, vídeos e reportagens que cobrem desde a chegada do garimpo à Terra Yanomami nos anos 1970 até o surto de malária entre os anos 1980 e 90. Alguns cliques são belos e poéticos; outros, trágicos e crus. Só a partir daí pensamos roteiros e possibilidades de produção, todas elas envolvendo fotografias.


AD – Como foi feita a seleção das imagens utilizadas neste vídeo? Como foi pensado o design por trás dessas imagens?

Fabiano: Muitas das fotos utilizadas são da Claudia Andujar, que possui uma extensa obra dedicada aos Yanomami. Sua série “Marcados” – em que ela simplesmente clicou retratos dos índios com uma placa numerada, para ajudar na identificação nas fichas médicas – é emblemática, uma das muitas que ela fez com os Yanomami. Sabíamos que toda a força do filme viria desses registros. Portanto, o design foi pensado para não gritar mais que o material que tínhamos em mãos, e sim servir de palco para amplificar o poder dessas fotos. Utilizamos vídeos apenas nas cenas de transição de dias – uma cortesia do documentarista Geoffrey O’Connor, que cobriu parte da invasão do garimpo na Amazônia e gentilmente nos cedeu suas gravações. Seu acervo estava quase todo em VHS. Ele até propôs nos enviar cópias em alta definição, mas preferimos nos apropriar dessa textura trazida pelo vídeo antigo.


AD – Podemos ver que a ideia é mostrar o resultado e as consequências que a população indígena sofrerá caso os garimpeiros não saiam de suas terras. De onde surgiu essa ideia? Como ela foi planejada?

Mariana Borga: As consequências devastadoras do garimpo ilegal, especialmente neste momento de COVID-19, são algo que ficou muito claro em todas as conversas que tivemos com o ISA. Eles sempre nos disseram que a campanha era urgente porque a dizimação do povo indígena, apesar de ser um fantasma que os ronda desde o descobrimento do Brasil, passou a ser algo que poderia acontecer agora, dentro de semanas ou meses. Criar um filme que apresentasse essa tragédia extremamente próxima parece ter sido algo natural e que surgiu em uma rodada de roteiros trazida pelo Bruno Pereira e pela Ana Blanes, que fizeram dupla neste job. A curiosidade é que a versão original do roteiro era mais linear – começava com a petição não sendo assinada e a consequência de fatos desencadeados por essa falta de engajamento. Decidimos inverter a lógica e contar essa história de trás para frente para fazer um conteúdo mais curioso e engajador, que trouxesse a urgência da assinatura para o final – dando a sensação de que não dá para terminar o filme e não fazer nada.


AD – Um aspecto que chama bastante atenção é o uso de cores, como o vermelho, e o efeito em P&B. Como a parte criativa tratou essa questão? Passa alguma mensagem?

Fabiano: O P&B não foi uma escolha, e sim um feliz acidente que criou uma unidade estética para o filme. A maioria dos registros que utilizamos são dos anos 1970/80, e Claudia é famosa por fazer um uso muito pontual de cores – sua obra é quase toda monocromática. Já o vermelho – ao contrário do que sugere o cenário político – foi escolhido por ser a cor do sangue, do perigo, da urgência. Nossa mensagem precisa de resposta imediata e não há cor que melhor comunique isso. Obviamente discutimos sua implicação política – já que a cor é largamente associada aos movimentos de esquerda –, mas não foi essa a razão da nossa escolha. Esse grito Yanomami pede socorro a todas as esferas sociais e políticas.


AD – Qual é a expectativa da reação do público ao ver essas manchetes – que ainda são fictícias? Como isso foi planejado pelos creators?

Mariana: A gente investiu um tempo enorme para escrever com cuidado cada uma das manchetes que aparecem no filme. Elas precisavam ser chocantes, porque é chocante o que a COVID-19 pode causar aos Yanomami, e o público precisava sentir esse drama para poder agir, mas elas também precisavam ter algum respaldo na realidade do povo indígena e na sua cosmovisão (sim, tivemos que aprender o que é cosmovisão). Ou seja: as manchetes precisavam ser fictícias, mas essa ficção precisava ter respaldo na maneira como o povo Yanomami enxerga o seu próprio futuro dentro de um cenário de ameaça e dizimação. No fim, conseguimos contemplar tudo isso e, ainda assim, ter um filme com manchetes que entregam o que a gente pretendia com elas desde o início: drama, angústia e urgência.


AD – Quanto tempo levou para a produção deste vídeo? Podem nos contar um pouco mais de como foi desde o brainstorming até a produção final do trabalho?
Fabiano: A Mari foi diretora criativa do ISA quando trabalhou na JWT e sugeriu aos sócios da agência (Fe, Edu e Renato) que pegássemos este trabalho. Dali em diante, tivemos menos de três semanas entre a primeira reunião com o ISA, o desenvolvimento das ideias, a apresentação, a aprovação, a produção e, finalmente, o lançamento do vídeo. Nesse meio tempo, consegui dois livros da Claudia Andujar e, em conjunto com a Ana, a DA do projeto, escaneamos centenas de páginas, letras e recortes para servir de material ao filme. Tratamos as imagens, fizemos a direção de arte e checávamos o ritmo do filme diariamente com o Chris, nosso motion e montador. Em paralelo, o Pereira, redator, e a Mari foram afinando e evoluindo a contundência das manchetes até estarmos todos satisfeitos. Foi absurdamente insano, mas ao mesmo tempo entendemos que havia um dever social a ser cumprido e uma mensagem a ser comunicada urgentemente. Todas as pessoas envolvidas abraçaram o projeto com uma dedicação única. De fato é um projeto que dependeu do talento e da generosidade de muita gente para ser posto de pé.


AD – Poderia explicar a partir de qual momento a W+K começou a olhar a necessidade de apoiar causas como a do povo Yanomami e Ye’kwana?

Mariana: Uma das premissas da Wieden desde a sua fundação é fazer trabalhos que influenciem a cultura. Sendo assim, nos pareceu extremamente natural abraçar uma causa que trata da cultura primordial do Brasil e ajudar na resistência e preservação de um povo que tem tanto a nos ensinar. O Eduardo Viveiros de Castro fala que são os indígenas que vão nos salvar, e não o contrário. Mas, para isso, os indígenas e sua sabedoria precisam estar vivos.

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