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Rejane Romano

Rejane Romano é jornalista, pós-graduada em Mídia, Informação e Cultura pela Universidade de São Paulo (USP) e atualmente é diretora de comunicação na agência DPZ.

No Brasil, o mito da democracia racial há anos impede o real enfrentamento que a questão demanda no país. O entendimento de que aqui não há racismo, mesmo diariamente todes, nacional e internacionalmente, convivendo com essa realidade em sua própria pele ou através dos relatos da imprensa, atrasou durante muitos anos a adoção de medidas que sejam punitivas ou que viabilizem a igualdade racial. Comparo essa estratégia de perpetuação do privilégio branco, defendida pela branquitude, a algo similar ao que está acontecendo e que chamo de “mito da inclusão”.

A estratégia é parecida: fingimos não ver o que está a olhos vistos e seguimos nossas vidas de consciência tranquila, quanto à agenda de diversidade e inclusão.

Ora, se sabemos que o mito da democracia racial é uma falácia, ao olharmos para a cor daqueles que ocupam os espaços de poder, ao vermos – atônitos – o tratamento dado aos pretos e pretas que sofrem (e morrem) pela violência policial todos os dias, em todos os lugares do mundo, também é inegável que nas empresas o mito da inclusão já se estabeleceu ao vermos os números de pessoas pretas na liderança.

Vá a uma premiação corporativa, sobretudo de áreas concorridas, glamourizadas, como a indústria da publicidade, e faça o famoso “teste do pescoço”. Olhe ao seu redor e conte quantas pessoas pretas há à sua volta. Não vale contar aqueles que estejam servindo neste evento, pois me refiro – novamente – aos espaços de poder.

A quem se quer enganar? Frente a dados não há argumentos. Segundo levantamento do Vagas.com, empresa de soluções tecnológicas de recrutamento e seleção, divulgado em setembro do ano passado, na diretoria, negros são 0,4%, mesma proporção dos indígenas, enquanto os brancos aparecem com 1,1%, e amarelos com 0,9%. Os negros só lideram em posições operacionais (33,2%) e técnicas (6,3%). Não há nenhum CEO negro entre as 423 companhias da Bolsa.

Ainda sobre dados, uma prova cabal do mito da inclusão são as violências sofridas por pessoas pretas no ambiente de trabalho. Pesquisa realizada pela comunidade Potências Negras® e a Shopper Experience, em 2022, com 812 mulheres pretas (acima de 18 anos, classes A, B, C, D e E), revela que 62% dessas mulheres disseram ter sofrido discriminação durante o processo seletivo (uma vez) e aproximadamente 40% das entrevistadas relataram que sofreram preconceito mais de duas vezes.

Ao pesquisar o significado da palavra inclusão, achei: “inclusão é o ato de incluir e acrescentar, ou seja, adicionar coisas ou pessoas em grupos e núcleos que antes não faziam parte”. Socialmente, a inclusão representa um ato de igualdade entre os diferentes indivíduos que habitam determinada sociedade. O que me leva a afirmar que pessoas pretas, pessoas com deficiência, mulheres (sobretudo as pretas) e a população LGBTQIAP+ vivem uma exclusão sistemática, que é estrutural, institucional, e como disse Muniz Sodré, intersubjetiva.

Então, falar de inclusão, para que não seja apenas um mito, requer ações e punições. Punições, para corrigir erros e dar exemplo para que os mesmos não se repitam. E ações, numa prática diária, com acompanhamento, mensuração de resultados e ampliação de metas.

Começar a incluir contratando estagiáries trans, pretes e etc. pode até fazer parte da estratégia, mas em tempo algum pode se limitar a isso. Já comentei nessas nossas conversas sobre a síndrome do degrau quebrado. Isso é mito da inclusão. Não nos ajuda em nada e impede a nossa evolução enquanto nação.

Incluir não é só contratar pessoas em cargos de estágio, não promover e tampouco propiciar um ambiente acolhedor. Letramentos, treinamentos, rodas de conversa são parte do processo (estou me repetindo aqui, pois de forma recorrente falo a este respeito), mas adotar e divulgar quais serão as condutas para a não adoção de metas também precisa integrar o tal “plano de diversidade”.

Por exemplo: a meta é aumentar o número de funcionários pretos em diferentes níveis hierárquicos na empresa. Passo um: as lideranças têm que saber dessa meta e respeitá-la. Passo dois: acompanhar as vagas e entender como estão sendo preenchidas. Passo três: estabelecer periodicidade para reunir as lideranças e apresentar estes números. Cobrar quem não segue a diretriz e tomar decisões, já previstas e documentadas, frente ao descumprimento. Como acontece com qualquer outra entrega no ambiente corporativo. Por que tanta brandura quando a questão são as metas de diversidade e inclusão?

Enfim, essas são algumas reflexões acerca de quem teme o poder nocivo dos mitos, no que tange a uma falsa inclusão, que se não observada, irá retardar vidas e uma sociedade todinha.

Rejane Romano é jornalista, pós-graduada em Mídia, Informação e Cultura pela Universidade de São Paulo (USP), e atualmente, é diretora de comunicação na Agência DPZ.

* Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Adnews.

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