Que o jornalismo precisa se adaptar a tecnologia, não é novidade. Mas a pergunta que fica é: como fazer isso? Saiba tudo sobre nesse artigo elaborado pela doutoranda em jornalismo, Mariane Nava, e publicado no ObjETHOS.
Alguns jornalistas costumamos pensar que o jornalismo já foi melhor. Citar com saudosismo a era de ouro do rádio, das redações cheias e até do tempo que tínhamos vários jornais impressos. A verdade é que o mundo mudou e o quanto antes aceitarmos essa nova realidade, melhor podemos nos adaptar e fazer de agora um novo “período de ouro” dos jornais.
Talvez soe utópico…, mas a grande questão aqui é que estamos passando por um momento em que as lógicas produtivas do jornalismo precisam se adequar à realidade digital. Nesse cenário, moldado a partir do final do século XX ou da terceira revolução industrial, a tecnologia permitiu uma expansão gigantesca – como a produção, edição e consumo de informação em tempo real; o armazenamento quase ilimitado e a quantidade aparentemente infinita de conteúdo, o que, em contrapartida, demandou mudanças na forma de produção, impactando de forma permanente a vida das pessoas.
Quem vive sem o celular hoje?
Quando Marshall McLuhan teorizou sobre a tecnologia como mecanismo de extensão de sentido do homem na década de 60, ele não tinha ideia do que estava por vir. A tecnologia contribuiu para grandes avanços científicos e também para o aumento da produtividade humana. Sem entrar no mérito da discussão sobre determinismo tecnológico, imagine quantas tarefas você faz diariamente usando seu celular.
Com o aparelho é possível se comunicar, além de “ver” e “ouvir” o que acontece em qualquer parte do mundo! Os sentidos humanos de fato ganham dimensões globais, mas o que fazer com tudo isso? Como selecionar o que de fato é relevante hoje em dia?
Não é possível deixar de mencionar o papel de gatekeeping do jornalismo, agora tendo que processar uma quantidade de conteúdos monumental, tarefa que seria impossível sem (e concomitantemente criada pela) tecnologia. Só é possível fazer um jornal com o uso dela, e aqui não me refiro necessariamente ao universo digital.
Na história, os periódicos só puderam expandir com o desenvolvimento da prensa, uma forma de tecnologia. Se adaptou à realidade do rádio, da televisão e agora da internet. Ou seja, o jornalismo sempre esteve atrelado ao desenvolvimento tecnológico, por isso não faz sentido relutar contra a mudança, que é uma característica inerente à tecnologia.
Contudo, o seu aperfeiçoamento – e a extensão dos sentidos – proporcionaram um maior número de tarefas ao homem. O tempo virou recurso ainda mais precioso à medida que a tecnologia avança, apesar de maior alcance dos sentidos, a capacidade cognitiva e biológica não se altera. E é por isso que precisamos de ferramentas aprimoradas de seleção nesse cenário de abundância de estímulos.
A tecnologia e o SEO
Estamos sem tempo. Esse é um sentimento quase universal. Não temos tempo para beber 2 litros de água por dia, comer uma maçã, fazer 30 minutos de caminhadas e ainda ler tudo o que é publicado e que seria de nosso interesse. Sem julgamentos, hoje apenas “zapeamos” os conteúdos, somos exímios leitores dinâmicos! E é nesse ponto que entra o Search Engine Optimization – SEO. Como?
Explico. O SEO é um mecanismo pensado para facilitar que os conteúdos sejam encontrados pelos buscadores como o Google. Ele é composto de um conjunto de técnicas que visam tornar o texto “achável”, e nos últimos anos tem englobado outros aspectos como facilidade de leitura e aderência ao termo pesquisado. Por exemplo, você digita “como fazer um bolo de chocolate”, os buscadores vão trazer resultados que correspondam às palavras-chave “como fazer” e “bolo de chocolate”, que se materializam em vídeos no YouTube e receitas.
Dificilmente trará resultados como anúncios de venda de bolo de chocolate, isso porque os mecanismos são inteligentes e aprendem com os cliques. Significa dizer que os resultados nas primeiras posições foram bastante acessados, os usuários permaneceram tempo suficiente na página e os textos estão indexados com as palavras-chave corretas, justificando seu lugar no topo.
E olha que tal posição é disputadíssima, imagina quanto conteúdo sobre bolo de chocolate existe na internet! E é por isso que os buscadores criaram mecanismos de classificar os conteúdos e mostrar os resultados que melhor correspondam à pesquisa do usuário.
O exemplo do bolo é meramente ilustrativo, mas serve para dar uma noção de alguns critérios utilizados para ranquear os conteúdos. Além disso, quando falamos em texto, existem alguns outros pontos que são levados em consideração. Dentre eles estão a existência de hiperlinks, o uso da ordem direta, sentenças curtas, uma quantidade suficiente de conectivos, parágrafos curtos, subtítulos e etc.
Esses são alguns dos elementos que o SEO entende como característicos de um bom texto, que permite a compreensão rápida e a leitura ágil. Ou seja, o critério de seleção é mostrar ao usuário uma resposta ao que ele buscou. A partir dessa compreensão pode-se desdobrar a reflexão para: quem é o gatekeeping na internet? Os mecanismos de busca? Os algoritmos?
Quem vai selecionar a opção de conteúdos que me são oferecidos?
Já adianto que minha intenção não é trazer respostas, mas sim levantar o questionamento sobre esses novos elementos que passam a fazer parte do dia a dia do jornalista. Talvez você observe que estou colocando no mesmo baú o conteúdo jornalístico e aquele produzido por qualquer outra pessoa… E não é assim na internet?
Existe uma aba no Google que você pode selecionar “Notícias” e pesquisar informações especificamente nessa categoria. Do contrário, no grande baú digital tudo está misturado, e se sobressai quem é melhor “achado” pelos buscadores.
Minha intenção não é dizer que devemos acabar com a pirâmide invertida, que o lide não é útil, tampouco causar indignação nos mais saudosistas. O ponto é pensar o jornalismo dentro dessa nova realidade, em que os hábitos de consumo informativo mudaram. Ambiente em que a forma de ler não é mais tão linear, que existem inúmeras possibilidades de direcionamento, que se pode utilizar imagens, vídeos, onde é possível interagir com o leitor, mas, principalmente, um espaço em que o usuário perde facilmente o foco. E esse é um dos motivos que explicam os moldes dos textos com SEO ótimo.
O mais curioso disso tudo é que o formato noticioso que ainda prevalece hoje foi moldado pela tecnologia disponível à época – o papel. Isso mudou, e o “novo papel” permite interação e recursos multimídia, cabendo aos jornalistas desbravarem e delinearem o novo formato do jornal adequado a essa realidade. E se nós não assumirmos essa função, alguém o fará e provavelmente teremos que correr atrás do prejuízo. Uma das principais características dos textos jornalísticos (embora meio esquecida) é a apuração, e ela independe do formato de apresentação. Para que você possa dormir tranquilo, o jornalismo não acabará. Porém, passará por transformações, em grande parte moldadas pela tecnologia disponível e pela necessidade informativa dos cidadãos nessa nem tão nova realidade.
*Texto publicado originalmente por objETHOS.