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Patrícia Marins

Patrícia Marins é apaixonada pela comunicação verdadeira e transformadora. Sócia-fundadora da Oficina Consultoria e sócia do Grupo In Press, também é cofundadora do Women on Board, diretora da Associação Brasileira das Agências de Comunicação (Abracom), embaixadora do SheInc e conselheira do MeToo Brasil, do Congresso em Foco e do Movimento Expansão.

Você, assim como eu, deve estar em grupos de WhatsApp onde o ato de terrorismo do Hamas contra Israel e a violenta resposta do governo israelense ainda desencadeiam desavenças terríveis, mesmo com o rápido cessar-fogo e o início da liberação de reféns e prisioneiros por ambos os lados. Se o assunto por si só já desperta paixões, a confusão tende a aumentar no quadro de polarização ideológica no qual vivemos, em que as pessoas seguem inclinadas a tomar partido de modo muito radical, desprezando os argumentos e as dores de quem está do outro lado.

Você também deve estar, diante de tantas notícias de assassinato de gente inocente, vivendo o drama de desejar se posicionar sobre a guerra. Seja para externar solidariedade aos povos judeu e palestino, seja simplesmente para externar o seu ponto de vista pessoal sobre a questão.

Não somos apenas você e eu. Líderes no mercado corporativo e gestores públicos enfrentam a mesma dificuldade. Querem ou precisam se posicionar, mas têm o desafio de calibrar os riscos para não dizerem algo inapropriado ao se mostrarem solidários com a população civil que padece os horrores de um conflito feroz.

Afinal, apenas demonstrar solidariedade, clamar pela paz e defender que inocentes não sejam assassinados pode não ser suficiente como manifestação empresarial ou posicionamento institucional. Assistir a um evento doloroso sem tentar ajudar aqueles que padecem é omissão. Pior, pode gerar uma crise ainda maior.

As crises crescem com declarações carentes de contexto de CEOs e de altos administradores públicos. Isso é um grande problema para líderes quando se manifestam. É triste ver como o ódio é amplificado em discussões entre gestores públicos e privados que poderiam dar lugar para o diálogo e para a proposição de soluções.

Reações diante da guerra também semeiam a discórdia no ambiente universitário.  Nos Estados Unidos ou no Brasil, multiplicam-se os episódios de intolerância ou de insensibilidade no mundo acadêmico. Movidos pelas paixões (ora pró-Palestina, ora pró-Israel), muitos não admitem sequer ouvir quem traz uma perspectiva diferente sobre as ações militares em curso.

A violência da guerra na Faixa de Gaza gera uma guerra de palavras por todo o planeta. Na Universidade de Harvard, organizações estudantis que compõem o Comitê de Solidariedade à Palestina da instituição emitiram uma declaração imediatamente após o ataque do Hamas, afirmando que o “regime israelense” é “inteiramente responsável por toda a violência em curso”. Isso provocou uma repreensão do ex-presidente de Harvard Larry H. Summers, que disse no X (ex-Twitter) que estava “enojado” com o “silêncio” da universidade. A administração da universidade emitiu então uma declaração expressando a esperança de que Harvard pudesse “modular em vez de amplificar as profundas divisões” existentes.

Um conceito básico em crises humanitárias de grandes proporções, como é o caso, é que as vidas humanas devem vir sempre em primeiro lugar. Não há como fazer qualquer posicionamento público sem antes de tudo colocar o direito à vida no centro da questão.

No livro “Muito além do Media Training – o porta-voz na era da hiperconexão”, que acabo de lançar em parceria com a jornalista Miriam Moura, dedicamos um capítulo à gestão de crise, enfatizando a importância de buscar o equilíbrio ao lidar com cenários complexos. A credibilidade e a reputação de uma organização, assim como de qualquer porta-voz, são intimamente influenciadas pela percepção de sua postura durante situações de crise.

Winston Churchill, o ex-primeiro-ministro inglês reconhecido pelos ensinamentos que deixou para a posteridade após ser um dos principais líderes da resistência aliada durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), nos presenteou com um conselho profundamente atual: “A nação terá dificuldade de admirar os líderes que mantêm os seus ouvidos na direção do chão”. Usou tais palavras para enfatizar que a eficiência de uma grande liderança vem menos da habilidade de proferir belos discursos do que da capacidade para escutar.

Quando fez essa afirmação, o estadista britânico naturalmente não contava com a sucessão de eventos inovadores que possibilitariam criar uma rede de pessoas conectadas ao redor do mundo inteiro, nem com as consequências que as palavras de ordem da atualidade – como transparência em tempo real – causaram nos mais variados espaços.

Tampouco sabia Churchill que, cada vez mais empoderados, os cidadãos encontrariam, nas novas tecnologias de comunicação, maneiras de ouvir figuras públicas, empresas e governos. Nesses cenários de transformações constantes e aceleradas, cabe às organizações descobrir novas maneiras de se dirigir a um público cada vez mais informado e diverso, responder aos seus apelos e combater as ditas fake news, em vez de tomar posições ideologizadas.

Em 2020, o assassinato de um homem negro (George Floyd) por um policial de Minneapolis gerou uma onda de protestos nos Estados Unidos e em outros países. Alguns líderes deram declarações bastante infelizes, próprias de quem não soube captar um momento em que a questão racial se apresentou particularmente problemática. Ora, milhões de afrodescendentes se sentiram profundamente atingidos pela morte de Floyd. Por isso, houve indignação até mesmo contra aqueles que deixaram de repudiar um ato de claras características racistas.

Desde então várias instituições têm sido arrastadas para batalhas culturais e políticas em que a opção de calar está descartada e o posicionamento inadequado pode deixá-las muito mal no julgamento público.

Bons comunicadores existem desde os tempos mais remotos, e certamente são muitos os atributos que os diferenciam. O que eles têm em comum, no entanto, é a compreensão de que, análise de contexto, empatia e proposição de soluções são elementos-chave no uso da comunicação como ferramenta de moderação de conflitos.

A omissão não pode ser um caminho. O momento pede que líderes tragam à luz o conhecimento, a educação cívica e o compartilhamento de fatos comprovadamente reais. A crise é uma oportunidade de combater a ignorância e as fake news, que agravam o ódio contra “o outro”.

As dificuldades de se posicionar num cenário complexo e ambíguo não podem abafar vozes e projetos que contribuam para entregar soluções para temas tão urgentes. A comunicação neste momento deve ser usada como instrumento da paz.

Em Gaza ou em qualquer outro lugar, não há futuro para a humanidade sem paz, sem diálogo e sem competência para mediar conflitos.

 

* Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Adnews

 

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