Se você trabalha na área de Comunicação de uma instituição do Terceiro Setor, tenho certeza que compartilhamos desafios bem parecidos: orçamentos enxutos, equipes reduzidas e barreiras cada vez maiores para arrecadar recursos. E ainda assim precisamos engajar colaboradores, voluntários, beneficiários e influenciadores, de forma que a causa pela qual lutamos esteja sempre em evidência. A transformação digital trouxe ferramentas poderosas de aproximação e disseminação do nosso trabalho, mas também tem provocado problemas sérios de fragmentação e polarização da sociedade.
Como sociedade global, testemunhamos crises econômicas, ambientais e sociais. Em muitos países os cidadãos dão sinais de que desconfiam das instituições, sejam as do próprio Estado ou aquelas de mediação entre a sociedade e o Estado – como as entidades do Terceiro Setor. Mas como a criação de verdadeiros muros para o diálogo afetam o dia a dia da comunicação?
Se os extremos estão empenhados em enxergar apenas um lado do mundo, não há espaço para diálogo. Causas ligadas à construção de uma sociedade mais democrática, justa e ambientalmente sustentável acabam sendo ofuscadas pelo discurso do “nós contra eles”. Por fim, a jornada de comunicação abraça as mesmas pessoas, o que afeta diretamente a forma como deveríamos nos relacionar com a sociedade.
O protagonismo da comunicação
O estudo Fluxo das Causas, do Instituto Arapyaú e fundações parceiras explica a Comunicação de Causa como “todos esforços para colocar um tema na agenda da sociedade, mobilizar os convertidos, conquistar os indiferentes e influenciar os tomadores de decisão com o objetivo de mudar a realidade social, cultural, econômica e ambiental por meio da sensibilização do público e de mudanças nas políticas públicas”. A área de comunicação deve ser protagonista em todas as organizações do Terceiro Setor exatamente por promover mudanças sociais. Mas esse é um processo lento, que envolve ciclos de escuta, aprendizado e compartilhamento – prestar atenção no que está acontecendo ao redor, digerir o que se captou e propor mudanças.
Construção de pontes e de diálogos
Ciro Marcondes Filho define diálogo como um encontro feliz entre duas intencionalidades […] vindo da criação de um ambiente comum em que os dois lados participam e extraem de sua participação algo novo, inesperado, que não estava em nenhum deles. Uma troca genuína que mostra um verdadeiro interesse no outro. Como instituição do Terceiro Setor, nascemos com diferentes propósitos. Mas todos eles se encontram no profundo desejo de amor e cuidado pelas pessoas – tanto em escolas, hospitais, centros de formação de jovens, casas para idosos ou qualquer outra.
É uma natureza institucionalmente inclusiva e agregadora. Precisamos nos esforçar para encontrar pontos de equilíbrio no processo comunicativo, entendendo as diferentes perspectivas de vida de cada um dos nossos stakeholders. E sim, esse é um esforço corporativo e individual, pois cada um de nós também está imerso nesse mundo polarizado.
Por tudo isso é extremamente desafiador fazer comunicação de causa nos dias de hoje. No e-book Comunicação de causas: reflexões e provocações para novas narrativas, a Fundação Tide Setúbal se une ao Instituto Alana e à rede Narrativas para discutir quais mudanças precisamos fazer na abordagem de nossas causas e crenças para evitar a polarização e de que forma podemos dialogar. O material fornece dicas preciosas para entidades do Terceiro Setor planejarem suas ações de forma que a jornada de comunicação abrace grupos orientados por valores diferentes dos nossos.
Primeiro, é importante olhar para as perguntas que podem nortear as respostas. Por exemplo, quais mudanças precisamos fazer na abordagem de nossas causas e crenças para evitar a polarização? Ou quais valores são capazes de nos aproximar e gerar pontos de contato na busca da transformação? E ao comunicar uma causa, como dialogar com grupos orientados por valores diferentes dos nossos?
Voltando aos achados do estudo Fluxo das Causas, é preciso explorar novas portas para engajar os cidadãos em uma causa de acordo com sua disponibilidade na era da “economia da atenção”. As pessoas querem falar e não só ouvir, mas precisam ter canais atraentes para fazê-lo. As organizações da sociedade civil precisam ser mais flexíveis e valorizar a comunicação como parte intrínseca da promoção das causas que defendem.
Outro ponto fundamental é conectar-se com as vivências cotidianas das pessoas. Buscar alternativas que permitam contato e proximidade para além das redes sociais, com ações e práticas presenciais na comunidade em que a instituição atua. Ativar a escuta pode permitir que você descubra quais barreiras impedem que a comunicação chegue até ao público-alvo. Ou até quais mudanças precisam ser feitas para que a causa que a sua instituição defende seja melhor entendida por grupos que sempre se manifestam contrários ou reativos.