Luciano Busato Vignoli – Diretor-Presidente e de Planejamento da e21 – Agência de Multicomunicação
Cena 1: Uma dona de casa está em seu esforço de limpeza. Entra um personagem da marca em animação e mostra a mais nova versão do produto. A dona de casa, arrumadésima, maquiada e tal, põe-se a dançar freneticamente de embevecimento.
Corta.
Cena 2: Uma família loira, faz um belíssimo churrasco ao ar livre, feliz e contente em suas interações (inclusive com o indefectível Golden Retriever doirado correndo em direção à câmera). Mas o mais importante, no meio de tanta felicidade, eis que a família saboreia como astro daquele festim pantagruélico, fatias imensas de pão com margarina (sic!).
Corta para agora.
Num mundo de absoluta transparência, com os consumidores Always-On, com as plataformas sendo alimentadas de todas as formas, por todo mundo, a toda hora, tudo de maneira absolutamente incontrolável, eis que é chegada a hora de abandonar de vez velhas práticas publicitárias de impor uma imagem plastificada da realidade e assumir… a verdade!
A VERDADE PUBLICITÁRIA
Durante cerca de um século e meio de história estruturada, a verdade publicitária foi trabalhada numa linguagem capaz de convencer o consumidor de um ideal de marca ampliado, ficcional, criativo, por vezes hiperbólico, muito autocentrado e impositivo.
Os maiores publicitários do mundo conseguiram criar verdades originais para as marcas. Slogans incríveis. Conceitos visuais brilhantes. Narrativas sedutoras e emocionantes. Roteiros magníficos. Filmes que marcaram época. Os maiores diretores do cinema, em algum momento, flertaram com a publicidade. Os maiores recursos técnicos estiveram a favor da publicidade. E sempre com uma mensagem centrada no receptor para leva-lo a não raciocinar muito, a aceitar a verdade.
E comprar.
Todos nós, consumidores, de alguma forma, embarcamos nessa retórica e criamos uma escala de reputação das marcas em nossos cérebros baseada nisto.
Com a força esmagadora da mídia de massa, então, a fórmula que já era irresistível se tornou invencível e funcionou espetacularmente bem por bem mais que um século. Lembremos: Muitas grandes marcas que ainda estão por aí, bombando, foram criadas assim.
A VERDADE MULTICONECTADA DE HOJE
Uma revolução digital depois, com o poder micropulverizado nas mãos do consumidor, estabelece-se, pois, uma nova narrativa e uma nova ordem dos fatos.
Hoje, a cada segundo, milhões de manifestações estão sendo feitas por um consumidor Always-On, sempre conectado. Esse consumidor on-line está agora com o poder, engajado, no controle, pronto a postar, a interagir, a opinar e a dividir sua experiência.
Ele não mais somente se contenta em receber e absorver (e reagir) à mensagem. Ele é seletivo. Curador. Engajador. Ele reverbera a comunicação numa série de iniciativas. De um receptor, o consumidor (antes “alvo”) passa a ser protagonista, impondo suas lógicas em rede, construindo mitos e destruindo reputações na rapidez de um toque no botão compartilhar.
Hoje, com acesso a conteúdo ilimitado, conteúdo este que vai muito além da propaganda tradicional, as pessoas já não cedem tão facilmente ao poder da narrativa publicitária, e cobram das empresas uma absoluta coerência entre propósito negocial e atuação efetiva.
É uma nova verdade que se impõe, talvez mais filosoficamente grega, em que temas como diversidade, ética e sustentabilidade precisam compor a lógica das marcas e revelar as coisas serem como elas são. De verdade.
Definitivamente, não há mais zona de conforto para as marcas. Nem fantasia descompromissada para a propaganda.
A VERDADE DAS MARCAS
Toda marca também tem que ter a sua verdade. Marcas que não tem, ou que ainda não definiram seu propósito, são seres vacilantes, quase zumbis patéticos, vociferando suas habilidades de maneira impositiva e não entendendo o jogo nesses novos tempos.
Hoje em dia, nem de longe basta que sua marca exponha o que faz ou como faz. É preciso definir o porquê ela faz. Sem verdade e sem propósito, hoje é muito difícil que uma marca se sustente, se apresente como relevante, se destaque.
Ou seja, ou entregamos uma verdade com a sustentação das coisas em si, como elas são, ou chafurdamos no lamaçal da irrelevância.
O que são as coisas como elas são? Valores e princípios. Ética. Convicções. Ações concretas. Comportamento. Para conectar-se de forma natural e genuína, é preciso mostrar a realidade. É preciso revelar identidade e expor de uma forma legal, aquilo no qual a empresa acredita. É preciso resumir a verdade da marca numa história.
A NOVA VERDADE
A comunicação está estressada por seus próprios limites de vício. A publicidade tradicional está embretada em seus próprios truques. Acostumados a estabelecer a partir de uma folha em branco as verdades a serem relatadas ao consumidor, o formato de criação e produção publicitária está sendo posto em cheque.
Está velho. Anacrônico. Caducou.
O consumidor reage a fórmulas gastas? A retórica publicitária funciona, ainda? A mensagem repleta de clichês (O melhor atendimento. Tradição. Qualidade. Tecnologia. Solução. Etc.) convence?
Sabemos que não mais. Os consumidores Always-On, exigem muito mais.
Será que não estamos diante de uma nova construção, uma nova jornada, uma nova lógica, um novo exercício de coerência a partir das coisas como elas são?
Será que, qual a artista da hora, a marca/empresa não precisa revelar sua intimidade? Suas entranhas? Seus valores? Suas convicções e ações concretas?
Será que a criação verdadeira não está na vida real, em captar a ideia de marca na loja, na fábrica, nas pessoas que com a marca trabalham?
Será que a vida real não é inspiração suficiente?
Será que a Big Idea não está em sintonizar a comunicação com as crenças e ações da empresa?
Será que a criação verdadeira não está lá no cliente do cliente? Na rua? Nas redes sociais?
Será que não basta de clichês?
Será que não é chegada a hora de uma abordagem dinâmica, a partir de descobertas vivas, reais, das coisas como elas são?
Será que a máxima proximidade com a marca não permite desenvolver organicamente novas pautas e causas que surjam no decorrer do caminho e estejam em consonância com a razão de existir da empresa?
Será que o papel da criação não está muito além de criar uma realidade plástica, artificial, autocentrada, egoísta e, pior, hoje sem um impacto maior?
Será que não é hora de aprender com a vida real? Explorar a vida real?
Eis o (novo?) desafio:Uma construção dinâmica – storytelling, design e conteúdo – que mostra as coisas como elas são com um talento narrativo que honra a tradição publicitária.
Provavelmente chegaríamos a uma nova verdade em comunicação.
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