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Renata Simões

Renata Simões é diretora de Conteúdo Criativo para América Latina e Ásia da Getty Images, responsável por supervisionar a criação de conteúdo criativo para os dois mercados, além de gerenciar a equipe de colaboradores para orientá-los na criação de conteúdo relevante e vendável.

Estamos nos aproximando do final do Mês do Orgulho, o que significa que muitas empresas começam, em breve, a retirar os produtos com as cores do arco-íris e o símbolo de suas vitrines. O pinkwashing feito durante todo o mês de junho será esquecido. Mas, o que isso significa para a visibilidade da comunidade LGBTQIA+ (lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, queer, intersexuais, assexuais e mais) na mídia durante o resto do ano? Independente da época, será que estamos no caminho certo?  

Na maior parte da indústria de Marketing e Propaganda, o progresso da representação LGBTQIA+ com pessoas reais têm sido lento e, muitas vezes, unidimensional. Um dos primeiros anúncios LGBTQIA+ a aparecer na grande mídia surgiu há 29 anos nos Estados Unidos, em 1994, cortesia da empresa Ikea. 

O título do anúncio era ‘Dining Room’ e mostrava um casal de homens gays comprando móveis para sua casa. Foi ao ar apenas em três cidades americanas (Washington, Filadélfia e Nova York) depois das 22h para “evitar a programação do horário da família”, e até mesmo com essa concessão, ainda recebeu diversos protestos. O diretor criativo da Deutsch, agência por trás da campanha, acreditava que este foi o início de uma nova era na publicidade e que muitas marcas seguiriam seus passos.  

No Brasil, essas controvérsias ainda aconteciam há menos de 10 anos. Em 2015, a empresa de beleza O Boticário foi pega no meio da reação pública por incluir casais gays em uma campanha para o Dia dos Namorados. Além disso, o Conselho Nacional de Autorregulação Publicitária (Conar) abriu um processo para avaliar “a moralidade” do anúncio, após receber denúncias formais.  

No entanto, em todo o mundo, a história foi diferente.  Em 2012, a campanha ‘Never Hide’ da marca Ray-Ban, em celebração aos seus 75 anos, contou com dois “cavalheiros ingleses” de mãos dadas. No mesmo ano, a campanha ‘Be One’, da GAP, apresentou dois homens jovens aconchegados em uma camisa. Em 2013, Amazon Kindle mostrou um casal gay em férias. Em 2014, a Cheerios divulgou um anúncio no Canadá com dois pais gays e sua filha adotiva. Já em 2015, um casal de pais gays com seu filho adotivo estavam presentes em um anúncio da marca Campbell.  

No ano seguinte, em 2016, a campanha ‘Don’t Go There, Live There’ do Airbnb mostrou duas mães e seus filhos visitando Los Angeles. Percebeu um padrão? Nós percebemos. Até hoje, muitas publicidades LGBTQIA+ giram em torno de uma narrativa muito romântica e heteronormativa: encontre o seu parceiro, se case, tenha dois filhos. Repita o processo.  

Com frequência, os anúncios são reflexo do debate social, político e cultural do momento. A partir dos slogans “amor é amor” e “o amor vence”, que se tornaram oficiais no movimento moderno pelos “direitos gays”, uma mobilização amplamente ancorada pela igualdade no direito ao casamento com pessoas do mesmo gênero, seguido de anúncios LGBTQIA+ com foco em destacar casais gays e lésbicos com suas famílias. Mas esse padrão, apesar de ter boas intenções e ser bem-sucedido em trazer um pouco da comunidade para o espaço de “aceitação social”, também perpetua involuntariamente uma representação simplificada e reducionista da identidade LGBTQIA+.  

Além disso, o que acontece com muitas discussões sociais sobre a comunidade é que centralizam, frequentemente, casais brancos e cisgênero e excluem aqueles que são trans e não binário, assim como quase todos QTPOC (pessoas negras queer e trans).  

Algumas marcas e anunciantes estão começando a entender o cenário. Abercrombie & Fitch, recentemente, destacou a parceria de longa duração com The Trevor Project para uma evolução na campanha #FaceYourFierce e continuar apoiando os jovens LGBTQIA+ em crise. A campanha era com um conjunto de figuras públicas LGBTQIA+ que compartilharam suas experiências pessoais, como Phillip Picardi (editor-chefe da Out Magazine), Crystal Anderson (produtora no Man Repeller), TJ (modelo e ativista) e muitos outros.  

No setor da beleza, a marca Sephora celebrou a comunidade transgênero e não binária com a campanha incrivelmente comovente ‘We Belong to Something Beautiful’, com um elenco inclusivo de pessoas trans, não binário, queer, gênero fluído e gênero não conformista, como Aaron Philip (modelo), Hunter Schafer (modelo, atriz e ativista) e Precious Ebony (atriz, rapper e anfitriã de baile). No Brasil, Amstel, Nivea e Quem disse, Berenice patrocinaram o Transbaile, a primeira premiação transexual do Brasil, criado pelas influencers Giovanna Heliodoro e Bielo Pereira. 

E, finalmente, no setor de Consumer Packaged Goods (CPG), a marca J&B Whiskey compartilhou um vídeo natalino muito emocionante que mostra a intimidade entre um avô e sua filha transgênero enquanto celebram um jantar de Natal com a família, um cenário raramente visualizado, que geralmente reflete a falta de espaços seguros, mesmo dentro de sua família, para as comunidades LGBTQIA+. 

O fato é o seguinte: membros da comunidade LGBTQIA+ vivem vidas incrivelmente completas e ricas, tanto dentro como fora de seus interesses românticos e sexuais. As pessoas trabalham, riem, choram, têm amigos, saem para se divertir, vão à escola, bebem, estão sóbrias, amam suas famílias biológicas, redefinem a família para si, casam, se juntam, optam por relacionamentos não monogâmicos, têm ou escolhem não ter filhos, exploram a expressão de gênero, ficam alinhados com o gênero designado ao nascer, esquecem as construções de gênero completamente, encontram o amor, escolhem por não amar e muito mais.  

As possibilidades são infinitas, e sendo assim, deveria ser completamente refletida na mídia do Brasil. Esperamos que, com todo o diálogo importante feito e com mais marcas adotando abordagens diferentes, esse seja verdadeiramente o início de uma nova era.  

Renata Simões é diretora de Conteúdo Criativo da iStock/Getty Images para a América Latina e Ásia.

* Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Adnews.

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