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De onde pode surgir um pedido de socorro? Às vezes, ele se manifesta por meio de uma ligação inesperada, de um grito estridente ou, surpreendentemente, de uma publicação que parece vazia, mas revela os mais profundos sentimentos de alguém. Foi com base nesse conceito que o publicitário e diretor criativo da Razorfish NY, Daniel Portuga, criou o Post em Branco, demonstrando que ansiedade não é mimimi.

Com doses diárias de alívio e informaçãosobre os pensamentos, comportamentos e palavras que podem desencadear a ansiedade, o perfil do Instagram se concentra na importância de discutir o tema, desafiando o estigma em torno das questões psicológicas e promovendo a compreensão de que não se deve normalizar a ansiedade, mas reavaliar a percepção sobre ela.

A ideia surgiu quando Portuga, que é diagnosticado com transtorno de ansiedade generalizada, enfrentou uma crise durante o início da pandemia de Covid-19. A partir disso, ele decidiu capturar uma imagem em branco do Google e publicar, repetidas vezes, em seu perfil no Instagram. Ele só parou quando já estava exausto, postando uma última imagem completamente preta, com a palavra out(do inglês, que significa “fora”). As reações das pessoas variaram entre especulações, como talvez seu computador tenha sido infectado por um vírus ou pode ser uma nova campanha publicitária. Mas ninguém suspeitou que aquela forma de chamar a atenção era, na verdade, um pedido de socorro.

Em vez de receber preocupação e compreensão sobre o que estava acontecendo com ele, Portuga foi confrontado, na maioria das vezes, com críticas por estar spamando (termo usado para descrever o ato de sobrecarregar uma rede social ou a caixa de entrada de alguém) e atrapalhando a linha do tempo de todos os seus seguidores. Apesar de todos os comentários negativos, isso acendeu uma luz em Portuga que, três meses depois, idealizou o Post em Branco.

O que um post em branco pode nos ensinar sobre o Setembro Amarelo

Projeto de Daniel Portuga surgiu graças à uma crise de ansiedade. (Foto: Acervo Pessoal)

Que tal um jogo? Você consegue identificar o que as seguintes declarações têm em comum?

Minha respiração fica ofegante, minha mente está em turbilhão, e sinto vontade de chorar o tempo todo. Eu acho que estou à beira da loucura.”

Meu estômago se contrai, perco o apetite, sinto vontade de vomitar, e esse nó de desespero aperta meu peito.

Não conseguiu perceber? Pois bem, todos esses sintomas estão intimamente relacionados à ansiedade. Essas palavras não foram inventadas, mas compartilhadas por pessoas reais no Post em Branco e usadas anonimamente como verbetes da palavra ansiedadeno Dicionário Michaelis Online.

Não são apenas falas cotidianas, mas uma demonstração prática de como as pessoas confiam no trabalho do perfil de Portuga, tendo em vista que abordar essas questões, ainda mais com desconhecidos nas redes sociais, não é uma tarefa tranquila. Para facilitar essa ponte entre o conteúdo postado e o público, todas as publicações são revisadas por um psicólogo, a fim de transmitir a mensagem da maneira mais leve e didática possível.

Além das publicações que exploram as múltiplas faces da ansiedade, o Post em Branco também oferece uma sessão gratuita em parceria com o Zenklub, plataforma de terapia online, para aqueles que utilizam o cupom fornecido pela página. Essa iniciativa surgiu após uma pesquisa conduzida pelo projeto revelar que muitas pessoas enfrentam obstáculos para acessar cuidados de saúde mental, como custos, falta de tempo e limitações de deslocamento para consultas presenciais. A parceria com a plataforma online pretende democratizar o acesso à informação e fornecer diagnósticos de condições mentais, porque, como afirma o publicitário, a saúde mental pertence a todos e é para todos.

O projeto de Portuga é amplamente elogiado por profissionais da área de saúde mental, como a Heloísa Capelas, especialista em Autoconhecimento e Inteligência Emocional, autora best-seller e CEO do Centro Hoffman. Em uma entrevista conjunta com o fundador do Post em Branco ao Adnews, Heloisa enfatizou como promover o autoconhecimento e cuidados com a inteligência emocional são fundamentais para o bem-estar individual e para a sociedade como um todo.

Durante a conversa, Heloísa e Portuga também destacaram a importância de garantir a qualidade das informações e dos recursos disponibilizados às pessoas que buscam ajuda, pois, infelizmente, existem fontes não confiáveis que exploram a vulnerabilidade dessas pessoas em momentos difíceis.

O que um post em branco pode nos ensinar sobre o Setembro Amarelo

Heloisa Capelas, especialista em Autoconhecimento e Inteligência Emocional. (Foto: Acervo Pessoal)

Setembro Amarelo, um mês de reflexão

A percepção de que precisamos ser constantemente produtivos contribui significativamente para a epidemia de ansiedadeque enfrentamos hoje. Muitas vezes, essa pressão é potencializada pelas redes sociais, onde as pessoas frequentemente comparam suas vidas e conquistas com as dos outros, criando expectativas inatingíveis.

Nesse sentido, Heloísa levanta um ponto sobre a importância de entender que não é necessário ser melhor do que os outros, mas suficiente dentro de nossas próprias capacidades e limitações. Cada pessoa é única, com suas próprias habilidades, desafios e circunstâncias, e estabelecer essas comparações pode levar a sentimentos de inadequação e ansiedade.

A especialista compartilhou a inspiradora experiência de sua filha, que reside em uma moradia assistida para pessoas com deficiência mental. Nesse ambiente, as pessoas são valorizadas pelo que podem oferecer dentro de suas capacidades, ao invés de serem julgadas por padrões externos. Ela também questionou o conceito de “ser normal”.

“Após o diagnóstico, muitos dizem que determinada pessoa é anormal. Mas anormal para quem? Dentro de qual bolha? De qual ambiente? Caracterizar alguém como anormal é retirar a suficiência dessa pessoa”.

Esse conceito pode parecer simples em um primeiro momento, mas é capaz de transformar a vida de muitas pessoas que estão encarando um grande beco sem saída e cogitam atentar contra a própria vida. Reconhecer os próprios limites e capacidades faz parte do processo de autoconhecimento que Heloísa Capelas promove em seu trabalho, algo que dialoga, quase em sinergia, com a página de Portuga.

Embora a proposta de se conectar com essas pessoas, estender a mão e mostrar um caminho melhor possa parecer desafiadora, os tempos modernos permitem um diálogo mais aberto. Falar sobre temas como suicídio, ansiedade e deficiência já foi um tabu, mas muitas pessoas, atualmente, desejam discutir esses tópicos. No entanto é importante abordar essas questões com conhecimento e sensibilidade, evitando autodiagnósticos precipitados que possam enfraquecer o debate. Profissionais da saúde mental trabalham incansavelmente para esclarecer dúvidas e desmistificar crenças, equilibrando essa gangorra que chamamos de sociedade.

Além disso, campanhas de conscientização sobre inteligência emocional, como o Setembro Amarelo, desempenham um papel fundamental no que se refere às questões citadas anteriormente. Contudo assim como há pessoas de má fé para espalhar a desinformação sobre o assunto, em alguns casos, diversas empresas podem se envolver em ações de marketing que parecem demonstrar apoio à causa, mas na prática, o ambiente de trabalho não corresponde a isso.

No mundo corporativo, essa prática se assemelha ao famoso greenwashing, termo utilizado para se referir às empresas que fazem afirmações exageradas sobre suas práticas ambientais, sem efetivamente implementar mudanças significativas.

“Saúde mental não é uma função somente do RH, tem que ser uma função cultural da empresa e precisa ser abraçada por todos. Não adianta instalar uma academia gratuita, por exemplo. É preciso entender e respeitar os espaços pessoais”, comentou Portuga.

É essencial compreender que essa questão não deve ser subestimada, nem explorada por aqueles que não compreendem a verdadeira essência de gritar por ajuda e não ser ouvido, de se perceber solitário e negligenciado. Em vez disso, deve ser examinada, divulgada e discutida, como o próprio Portuga concluiu, “para que não haja mais nenhum Post em Branco, ou seja, para que todas as pessoas possam reconhecer e abordar suas questões emocionais da melhor maneira possível.

* Com supervisão de Jéssica Bitencourt 

 

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